Em 15 de dezembro de 2018 a advogada Luciana
Sinzimbra, inscrita na OAB, seccional de Goiás, foi severamente atacada por um
agressor, à época, seu namorado Victor Augusto do Amaral Junqueira. Sofreu o
que incontáveis mulheres sofrem, independente de condição financeira, de ter ou
não uma família, de ser ou não cristã, de ser ou não branca. A advogada
representa um exército de mulheres que, mesmo com medo, conseguiu ter forças
para denunciar o companheiro agressor.
Luciana expôs o sofrimento que tantas
mulheres passam por serem agredidas ou discriminadas pela circunstância do ser,
do ser uma mulher. Uma mulher brasileira do sec. XXI.
Em plena contemporaneidade de Tratados
internacionais, normas constitucionais e infra-constitucionais que coíbem a
prática de vitimização da vítima e inspiram a sociedade sobre a prática de
igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, ainda verifica-se
que muitos ainda não entenderam ou fingem não entender o que tais normas pretendem.
Após a instauração do Inquérito
policial, esse fato veio à tona novamente em julho de 2019, quando o agressor foi
detido ao descumprir medida protetiva. Até então aguardava o julgamento em
liberdade.
Um dos advogados do agressor se manifestou
em meios midiáticos afirmando que em seus 30 anos de profissão, aprendeu que ninguém
agride ninguém por acaso e, dentro dessa premissa, os vídeos não devem ser
levados em consideração. Asseverou, ainda, que as pessoas espalham apenas
aquilo que veem como apelo popular, que o menos favorecido não tem voz. (https://portalcontexto.com/defesa-de-victor-junqueira-concentra-esforcos-para-a-sua-libertacao/ ).
As afirmações acima, vindas de um
profissional do direito que, presume-se, possuir conhecimentos mínimos sobre o nosso
ordenamento jurídico demonstra o quão longe estamos de praticar as garantias
constitucionais e como a sociedade ainda é cruel e preconceituosa.
Os vídeos produzidos pela vítima, amplamente
divulgados pela mídia, demonstram a fúria e agressividade dos socos desferidos,
além do enforcamento a que a advogada foi acometida. Ainda assim, muitos ainda
querem saber o porquê, o motivo, o que a vítima fez que tirou o “coitado” do
agressor do sério e o fez quase matar, e em muitos casos, assassinar sua
companheira.
Quando uma mulher não aceita a ameaça
ou lesão aos seus direitos ou bens jurídicos e exige respeito às suas garantias
constitucionais, leva “fama” de briguenta, de chata, de que provocou a agressão
sofrida. O agressor se torna a vítima, para muitos.
A mulher “boazinha” é aquela que
aceita a humilhação, a agressão verbal e física, a afronta a sua dignidade...para
muitos, essa é a mulher virtuosa.
A existência de uma Constituição que
fala tanto de igualdade em uma sociedade ainda tão desigual é um fato que expõe
a ausência de sentimento coletivo constitucional.
Uma constituição se cumpre verdadeiramente
e uma democracia se realiza na sociedade e pela sociedade. O direito deve ser
introjetado na consciência popular de tal forma que não haja dúvidas de que,
quando uma mulher é lesada ou agredida, ou até assassinada pelo fato de ser
mulher, as pessoas percebam o insulto aos princípios e costumes coletivos.
O direito escrito deve se tornar o
costume de um povo, gerar uma consciência coletiva que não aceita mais a
violação ao regramento jurídico. O judiciário atua quando o litígio está
instaurado, mas a sociedade precisa efetivamente vivenciar o texto legal no dia
a dia.
O direito não acaba com o preconceito,
o direito combate a manifestação do preconceito e pretende que a sociedade
compreenda que o lugar da mulher é onde ela queira estar e não onde as pessoas
queiram que ela esteja.
Enquanto olharem a mulher de maneira
diferente porque acham que ela fala demais, ou sonha demais, ou trabalha
demais, ou exige demais, as leis deverão ser drásticas até que esse preconceito
seja extirpado da coletividade.
Axiologicamente, resta claro que aquele
que agride física ou psicologicamente e restringe os direitos uma mulher, é
fruto de uma família onde não houve tratamento respeitoso de homens frente às
mulheres que compõe aquela ascendência. Evidentemente, aquele que bate em
mulheres não respeita nem a si mesmo e seria demais pedir que respeitasse o seu
próximo.
Mas, como jurisconsultos, temos que
relembrar essa perspectiva todos os dias pois estamos inseridos em uma
sociedade contaminada de agressividade e preconceito que justifica seu ódio
pela busca da paz. Violência não gera paz, violência gera violência.
Não é um caminho fácil, os casos de
feminicídio ainda estão altos o que reflete a crueldade em que nossa sociedade
ainda está mergulhada.
A violência não para na porta de casa,
mas o ambiente de violência é reprisado na rua, no convívio social, nas
próximas gerações e só tende a se alastrar através daqueles envolvidos neste
contexto, é o caos instaurado. O caos leva um país à ruína em todos os sentidos
e deve ser combatido.
Afirmar a igualdade entre os gêneros não
é um assunto apenas feminino, mas um tema pertinente à democracia, à sociedade.
O que se projeta é a ausência de preconceito e agressões contra as mulheres,
estas devem ser respeitadas pois são sujeitos de direitos, também.
De acordo com dados da PNAD Contínua
(Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2018, o número de
mulheres no Brasil é superior ao de homens. A população brasileira é composta
por 48,3% de homens e 51,7% de mulheres (https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18320-quantidade-de-homens-e-mulheres.html).
Fato é que as mulheres compõe a
maioria da população brasileira e ainda são desrespeitadas apenas por serem
mulheres. A sociedade precisa se ver como um todo regido por uma Constituição
Federal que não exclui, mas visa a isonomia de direitos para todo o povo. Um
país saudável é aquele que tem consciência que seus direitos são para TODOS.
Lana Castelões.