14/08/2019

O que é a Revenge Porn?


A liberdade de expressão é uma garantia constitucional que nos permite manifestar nossos pontos de vista, engajar através dos meios de comunicação, transferir notícias através de redes sociais...Mas a mesma lei que protege a livre manifestação de pensamento, assegura o direito de resposta pelo ofendido, dando-lhe, inclusive, a possibilidade de requerer indenizações através do Judiciário em caso de dano material, moral ou à sua imagem.
A atual facilidade de difusão de mensagens e imagens acabou por reduzir a vida privada das pessoas que ficaram mais expostas a um número maior de pessoas. Não são mais os nossos vizinhos e familiares que tem acesso a nossa intimidade, mas todos aqueles que as mídias podem alcançar.
A propagação do “nudes” de um antigo romance, ou de vídeos que flagram o momento da traição são formas que alguns encontram para amenizar a “dor de cotovelo”. Mas esta vingança, além de crime, também pode gerar direito do ofendido a requerer indenização pela grave ofensa de ter sua intimidade e imagens divulgadas sem sua permissão.
As imagens podem ter sido fornecidas pela vítima de forma consentida, mas se divulgadas sem a vontade do dono da imagem, esse compartilhamento é indevido e criminoso. E se esse compartilhamento a terceiros tiver uma intensão vingativa, temos o fenômeno revenge porn, criminalizado e descrito no artigo 218-C, § 1º do Código Penal.
Além da condenação criminal, o agente poderá ser condenado na justiça comum a pagar indenização por danos morais e à imagem da vítima.
Sendo assim, se alguém teve fotografias ou vídeos íntimos divulgados pelo antigo affair que não se conforma com o término do romance, pode se dirigir à delegacia mais próxima, sem esquecer de levar seus documentos e as provas que possui.  Caso a vítima seja uma mulher, vale a pena registrar a ocorrência em uma delegacia da mulher, caso sua cidade já tenha essa delegacia especializada.
Após a condenação criminal, que será uma prova da autoria do fato, procure um advogado que irá auxiliá-lo(a) a reivindicar sua indenização por danos morais, materiais e à imagem, sofridos com o compartilhamento das mídias.

25/07/2019

Juiz define guarda de criança ao pai porque a mãe mora em cidade perigosa e é mulher.


A população ficou estarrecida quando foi noticiado essa semana (22/07/2019) pelo G1[i] e pelo Jornal Nacional que um juiz de uma certa Vara de Família direcionou a guarda de uma criança de 8 anos para o pai, justificando que a cidade onde a mãe mora, Rio de Janeiro, é muito perigosa. Continuou sua justificativa, afirmando que o menino tem que ter um exemplo paterno por perto por ser do sexo masculino e já havia permanecido muito tempo com a mãe.
Como se trata de uma decisão em um processo submetido ao segredo de justiça, não foi possível meu acesso aos autos para analisar a veracidade da notícia.
Mas, de acordo com o que foi publicado pela mídia, qual é o problema da decisão?
As leis que protegem a criança e o adolescente garantem a estes sujeitos de direito o convívio com a família, buscando mantê-los próximos aos pais o máximo possível. No caso em tela, como os pais residiam em cidades diferentes, a guarda compartilhada não teria chance de se efetivar.
Cabe ao judiciário, nesses casos, definir a guarda para apenas um dos genitores e o direito a visitas para o outro que perdeu a posse a criança.
O que não se pode aceitar e é inclusive combatido por lei é o direcionamento de uma criança para o guardião baseando-se em características relacionadas a preconceito quanto à condição financeira e o gênero de alguém, ou seja, se é mais pobre ou mais rico e se é homem ou mulher.
Nossos Tribunais já são unânimes nesse aspecto pois é o que reza a lei menorista e nossa Constituição Federal.[1]
A proteção integral à criança e ao adolescente em que nossas leis menoristas estão baseadas busca evitar consequências negativas causadas por uma mudança brusca de rotina em suas atividades diárias e também em sua emoção.
Para se ter uma ideia, a falta de recursos financeiros e nem mesmo a condenação criminal de um genitor implicam em perda do poder familiar, o que demonstra o esforço do legislador em manter a criança e o adolescente vinculados ao seio familiar, independente da dura realidade em que sua família está inserida.
No que tange à guarda, retirar uma criança de 8 anos do convívio com a mãe porque onde ela mora é “perigoso”, parece-nos um convite a ensinar à criança que é mais importante quem tem dinheiro para morar em um lugar melhor e que o amor e a maternidade não superam o cifrão.
Ademais, a lei é clara quando determina regras para se designar a guarda e a observância ao local de moradia em cidades com a criminalidade elevada não é um deles. Se assim o fosse, os pais interessados em ter os filhos por perto teriam que fugir para o campo. Retornaremos à Idade Média?
Longe disto, a lei revela que na apreciação do pedido de guarda levar-se-á em conta a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida (art 28, lei 8.069/90 e § 5º do art 1584, do Código Civil).
Inclusive, estar muito tempo com um dos genitores é requisito que pode determinar a permanência da criança com este e não o contrário, como justificou o juiz, segundo as notícias publicadas.
É só mais um dos absurdos presenciados em algumas varas de família que lidam com os sentimentos afetivos como se fossem cartas de baralho e ganha quem tiver sorte. Enquanto isto, famílias se desestruturam ainda mais e nossas crianças são as maiores vítimas.



[1] Artigo 5º, I, CF; artigo 23, Lei 8069/90 (Estatuto da criança e do adolescente).



[i]https://www.google.com.br/amp/s/g1.globo.com/google/amp/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/07/22/mae-perde-guarda-de-filho-no-rio-por-morar-em-manguinhos.ghtml


13/07/2019

A volatilidade do conhecimento.

Já parou para pensar quanta coisa foi considerada certa e hoje é errada? Ou, quantascondutas, antes absurdas, hoje são defendidas?Quer dizer que não existe uma verdade absoluta quanto às afirmações doutrinárias ou científicas?
Por exemplo, houve um tempo em que a terapia de choque era a única que levava uma pessoa com psicopatia a uma possível cura. Hoje é rechaçada pela medicina.
E quando alguém praticava ato libidinoso, como, por exemplo, uma masturbação, se insinuando para uma pessoa sem que esta o consentisse, não era crime? Pois bem, só se tornou crime em 2018 (crime de importunação sexual, artigo 215-A, Código Penal – incluído pela lei 13.718/18).
Não éramos obrigados a utilizar cinto de segurança, mulheres não podiam votar, casou uma vez? Era para sempre, o divórcio só foi permitido por lei em 1977 (LEI Nº 6.515/1977).
Todas essas situações que, hoje estão diferentes, um dia foram verdades absolutas. Por que temos que nos destratar tanto quando alguém pensa diferente do que acreditamos ser a verdade e o certo? Por que não podemos ouvir, pensar, contra argumentar e chegar a uma conclusão, sem brigas?
Precisamos odiar alguém porque não concorda conosco?
Somos seres pensantes, podemos mudar de opinião, não precisamos de rótulos (direita, esquerda, centro, tradicional, moderno, extremistas...). Quando me rotulo, me limito e assumo que não consigo ouvir ou dialogar ou simplesmente tolerar. Me rebaixo ao ser ignorante (sem conhecimento) que não quer aprender.
Quando conhecemos a diversidade dos pensamentos, nos oferecemos a oportunidade de crescer e de ensinar aos que compõe o diálogo. O discurso de ódio só alimenta a imensidão de pessoas que tem preguiça de pensar.
Que tal assumirmos o intelecto que a humanidade nos proporciona nos permitindo conhecer, sem necessariamente ter que concordar, sobre os inúmeros pontos de vistas daqueles que tem uma história diferente da nossa, sem que isso seja a instauração de uma guerra? Vale a pena tentar.

10/07/2019

“Mas eu pago pensão”, não basta?


O Judiciário brasileiro tem condenado pais a indenizarem filhos quando deixam de cumprir obrigações afetivas, mesmo pagando pensão. A decisão mais recente foi do Tribunal de Justiça de Minas Gerais - TJMG que condenou um pai a pagar cerca de R$ 50.000,00 por abandonar afetivamente o filho.
No caso, o adolescente seria fruto de uma relação extraconjugal e não recebeu a mesma atenção e cuidado que os outros filhos do mesmo pai.
No início do ano, a 8ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do DF condenou outro pai a indenizar a filha pelo mesmo motivo, abandono afetivo.
É que, ao gerar um filho, seja via natural ou por adoção, os pais atraem para si o Poder Familiar. São os direitos e responsabilidades envolvidos nas relações entre pais e filhos (artigos 1.630 e seguintes do Código Civil).
Além de prestar alimentos, os pais deverão promover o cumprimento de algumas obrigações imateriais inerentes ao poder familiar, além do sustento material, como, por exemplo, a convivência familiar.
Claro que muitos pais não precisam que uma norma os obrigue a prestar assistência a seus filhos, pois as desempenham naturalmente. Ocorre que essa disposição e amor dos genitores não é presente em todas as famílias, é aí que a lei entra.
O direito deve penetrar onde valores éticos, morais e sociais foram esquecidos ou nunca existiram, até porque as pessoas só oferecem o que elas receberam um dia.
Apenas pagar pensão não cria laços afetivos, não gera afeição e confiança, é preciso mais que depósitos mensais para preencher o vazio da criança que não tem por perto aquele ou aquela que a trouxe ao mundo.
Morar em outra cidade ou país não é justificativa para se ver livre da responsabilidade, pois visitas nas férias junto com ligações periódicas podem minimizar traumas emocionais sofridos por aqueles que são abandonados afetivamente.
Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Afirmou a ministra Nancy Andrigh ([i]).
Sendo assim, a obrigação imaterial de afeto e amor pelos filhos apesar de não poder ser mensurada monetariamente, gera responsabilidade civil de indenizar quando não é prestada pelo genitor faltoso que, além de pagar pensão alimentícia, poderá ser condenado a pagar indenização ao filho negligenciado.



[i] REsp número 1.159.242/SP.

06/07/2019

Repúdio à vitimização da vítima de violência doméstica.


Em 15 de dezembro de 2018 a advogada Luciana Sinzimbra, inscrita na OAB, seccional de Goiás, foi severamente atacada por um agressor, à época, seu namorado Victor Augusto do Amaral Junqueira. Sofreu o que incontáveis mulheres sofrem, independente de condição financeira, de ter ou não uma família, de ser ou não cristã, de ser ou não branca. A advogada representa um exército de mulheres que, mesmo com medo, conseguiu ter forças para denunciar o companheiro agressor.
Luciana expôs o sofrimento que tantas mulheres passam por serem agredidas ou discriminadas pela circunstância do ser, do ser uma mulher. Uma mulher brasileira do sec. XXI.
Em plena contemporaneidade de Tratados internacionais, normas constitucionais e infra-constitucionais que coíbem a prática de vitimização da vítima e inspiram a sociedade sobre a prática de igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, ainda verifica-se que muitos ainda não entenderam ou fingem não entender o que tais normas pretendem.
Após a instauração do Inquérito policial, esse fato veio à tona novamente em julho de 2019, quando o agressor foi detido ao descumprir medida protetiva. Até então aguardava o julgamento em liberdade.
Um dos advogados do agressor se manifestou em meios midiáticos afirmando que em seus 30 anos de profissão, aprendeu que ninguém agride ninguém por acaso e, dentro dessa premissa, os vídeos não devem ser levados em consideração. Asseverou, ainda, que as pessoas espalham apenas aquilo que veem como apelo popular, que o menos favorecido não tem voz. (https://portalcontexto.com/defesa-de-victor-junqueira-concentra-esforcos-para-a-sua-libertacao/ ).
As afirmações acima, vindas de um profissional do direito que, presume-se, possuir conhecimentos mínimos sobre o nosso ordenamento jurídico demonstra o quão longe estamos de praticar as garantias constitucionais e como a sociedade ainda é cruel e preconceituosa.
Os vídeos produzidos pela vítima, amplamente divulgados pela mídia, demonstram a fúria e agressividade dos socos desferidos, além do enforcamento a que a advogada foi acometida. Ainda assim, muitos ainda querem saber o porquê, o motivo, o que a vítima fez que tirou o “coitado” do agressor do sério e o fez quase matar, e em muitos casos, assassinar sua companheira.

Quando uma mulher não aceita a ameaça ou lesão aos seus direitos ou bens jurídicos e exige respeito às suas garantias constitucionais, leva “fama” de briguenta, de chata, de que provocou a agressão sofrida. O agressor se torna a vítima, para muitos.

A mulher “boazinha” é aquela que aceita a humilhação, a agressão verbal e física, a afronta a sua dignidade...para muitos, essa é a mulher virtuosa.
A existência de uma Constituição que fala tanto de igualdade em uma sociedade ainda tão desigual é um fato que expõe a ausência de sentimento coletivo constitucional.
Uma constituição se cumpre verdadeiramente e uma democracia se realiza na sociedade e pela sociedade. O direito deve ser introjetado na consciência popular de tal forma que não haja dúvidas de que, quando uma mulher é lesada ou agredida, ou até assassinada pelo fato de ser mulher, as pessoas percebam o insulto aos princípios e costumes coletivos.
O direito escrito deve se tornar o costume de um povo, gerar uma consciência coletiva que não aceita mais a violação ao regramento jurídico. O judiciário atua quando o litígio está instaurado, mas a sociedade precisa efetivamente vivenciar o texto legal no dia a dia.
O direito não acaba com o preconceito, o direito combate a manifestação do preconceito e pretende que a sociedade compreenda que o lugar da mulher é onde ela queira estar e não onde as pessoas queiram que ela esteja.
Enquanto olharem a mulher de maneira diferente porque acham que ela fala demais, ou sonha demais, ou trabalha demais, ou exige demais, as leis deverão ser drásticas até que esse preconceito seja extirpado da coletividade.
Axiologicamente, resta claro que aquele que agride física ou psicologicamente e restringe os direitos uma mulher, é fruto de uma família onde não houve tratamento respeitoso de homens frente às mulheres que compõe aquela ascendência. Evidentemente, aquele que bate em mulheres não respeita nem a si mesmo e seria demais pedir que respeitasse o seu próximo.
Mas, como jurisconsultos, temos que relembrar essa perspectiva todos os dias pois estamos inseridos em uma sociedade contaminada de agressividade e preconceito que justifica seu ódio pela busca da paz. Violência não gera paz, violência gera violência.
Não é um caminho fácil, os casos de feminicídio ainda estão altos o que reflete a crueldade em que nossa sociedade ainda está mergulhada.
A violência não para na porta de casa, mas o ambiente de violência é reprisado na rua, no convívio social, nas próximas gerações e só tende a se alastrar através daqueles envolvidos neste contexto, é o caos instaurado. O caos leva um país à ruína em todos os sentidos e deve ser combatido.
Afirmar a igualdade entre os gêneros não é um assunto apenas feminino, mas um tema pertinente à democracia, à sociedade. O que se projeta é a ausência de preconceito e agressões contra as mulheres, estas devem ser respeitadas pois são sujeitos de direitos, também.
De acordo com dados da PNAD Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) 2018, o número de mulheres no Brasil é superior ao de homens. A população brasileira é composta por 48,3% de homens e 51,7% de mulheres (https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18320-quantidade-de-homens-e-mulheres.html).
Fato é que as mulheres compõe a maioria da população brasileira e ainda são desrespeitadas apenas por serem mulheres. A sociedade precisa se ver como um todo regido por uma Constituição Federal que não exclui, mas visa a isonomia de direitos para todo o povo. Um país saudável é aquele que tem consciência que seus direitos são para TODOS.

Lana Castelões.

15/06/2019

O amor é regulamentável?


O coração bate mais rápido, a temperatura do corpo sobe instantaneamente e as palavras se perdem como se uma febre repentina retirasse o ser racional que habita em nosso consciente dando lugar a ações involuntárias e muitas vezes compulsivas. Não, não se trata de um diagnóstico de alguma enfermidade, mas das doces sensações causadas pela paixão a que estão acometidos todos aqueles que se permitem amar.

A paixão não faz acepção de pessoas, ela simplesmente acontece e deixa embriagados todos os que por ela estão arrebatados. E agora? Já que o coração está agradavelmente aprisionado, será que uma normatização ou regulamentação baseada em um contrato pode ser inserido no mundo colorido dos relacionamentos sem que este perca sua essência?

Deveras, soa estranho falar de regras a serem seguidas quando a paixão não tem limites, mas um contrato pode evitar que o amor se torne ódio e ressentimento.

Vivemos em um país que permite a liberdade contratual, independente da natureza do objeto, desde que alguns princípios legais sejam observados.

O acordo formal de amor deve respeitar a função social do contrato, desta forma os enamorados não poderão inserir cláusulas que possam afetar algum interesse público, por exemplo, tratar de consentimentos futuros quanto a relações sexuais.

O consentimento ao sexo é um direito indisponível que não pode ser combinado com antecedência, pois sua ausência, independente de cláusula contratual pré-estabelecida, passa a ser de interesse público uma vez que abarca matéria de direito penal.

O chamado contrato de convivência deverá demonstrar boa-fé entre os nubentes, ou seja, uma das partes enamoradas não pode ter uma “segunda intensão” de prejudicar os direitos inerentes a personalidade do outro, mas assegurar direitos, como por exemplo, os patrimoniais.

Este acordo de convivência é formalizado por pessoas que se relacionam amorosamente mas querem estabelecer, desde o início, conjecturas que podem evitar futuras lides.

Exemplos de questões que podem estar descritas neste contrato é a definição de que a relação se trata de um namoro ou de uma união estável; a data em que se iniciou e qual era o patrimônio individual de ambos nesta época; ou até mesmo, expressar que as partes não tem interesse em constituir uma família por enquanto.

Em caso de definir que a relação se trata de uma União Estável, podem as partes inserir no acordo, cláusulas acerca do regime de bens que preferem, como ocorre no pacto antenupcial do Casamento. Lembrando que, na ausência de pacto acerca do regime de bens, a Comunhão parcial de bens (artigos 1658 ao 1666 do Código Civil) será o regime que irá conduzir uma futura partilha, tanto na união estável quanto no casamento.

Fato é que há a possibilidade, sim, de regulamentar um relacionamento, podendo o contrato ser feito mediante escrito particular ou por meio de escritura pública em um cartório. Podendo ser modificado ou revogado a qualquer tempo, desde que haja manifestação expressa de ambas as partes.

A lei não obriga a averbação deste contrato mas é ato prudente para evitar prejuízos a terceiros de boa-fé que queiram adquirir imóveis do acervo comum.

 A paixão não tem limites, mas um dia pode acabar e, caso aconteça, melhor estar prevenido e evitar que a bela história de amor se torne briga de gato e rato.

O Poder Familiar entre gêneros



A família é o primeiro contato social que temos ao nascer. E é nela onde descobrimos as primeiras sensações que nos fazem desenvolver parâmetros interpretativos sobre questões da vida.

Independente se a família é formada por apenas um dos genitores (mãe ou pai) com seu respectivo filho ou filha, ou se traz vários entes interligados pela afeição, sem consanguinidade, a verdade é que, tamanha a importância dessas relações que o Estado é obrigado por lei a proteger a família (artigo 226, Constituição Federal).

Isto porque, além do afeto, aquelas relações também geram consequências jurídicas como obrigações patrimoniais e assistenciais. Tais efeitos não são para prejudicar mas para proteger todos aqueles que compõe o seio familiar, garantindo o direito de cada um, diante de possíveis desventuras que deveras as famílias são acometidas.

Para externar a necessidade da proteção legal da família, através de uma conotação exemplificativa, analisemos um instituto tratado pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8069/90) que, em conjunto com outras normas fomentam o melhor desenvolvimento da criança e do adolescente em âmbito familiar, a priori.

Ao gerar um filho, seja via natural ou por adoção, os pais atraem para si o Poder Familiar. São os direitos e responsabilidades envolvidos nas relações entre pais e filhos enquanto menores e não emancipados (artigos 1.630 e seguintes do Código Civil).

Dentre as atribuições atraídas pelos pais, o poder familiar lhes obriga a dar sustento, educação, exercer a guarda, consentir ou não sobre diversas conjecturas domésticas que envolvem os menores.

Ocorre que, na prática, centenas de mulheres estão sendo extirpadas do mercado, expulsas da produção de capital interno de um país por ainda estarem inseridas em uma cultura que impõe ao gênero feminino todas as obrigações legais, restando aos pais apenas o cumprimento do dever de sustento (financeiro). Isto, quando ainda prestam alguma provisão dentre todas descritas no artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente que também versa sobre as obrigações do pai e da mãe frente a criança e ao adolescente.

Todas estas obrigações dos genitores para com seus filhos menores são incontroversas. O que ainda não está esclarecido à sociedade, na prática, é que tais atribuições são de ambos os genitores e, para uma melhor saúde da própria família, devem ser divididas entre ambos para que não haja sobrecarga daquele mais disposto (ou imposto) a ajudar.

Quantas mães acabam abrindo mão de sua qualificação e de seu trabalho externo para viver por conta da criação, cuidado e educação dos filhos, sozinha. Ser mãe não precisa ser tão penoso para as mulheres enquanto ser pai também não precisa atrair unilateralmente a total obrigação de prover o sustento da família.

Nossa legislação não escolhe ou relaciona um tipo de obrigação para a mãe e outra para o pai, mas determina que ambos deverão assumir a responsabilidade do Poder familiar, juntos.

Quando um genitor se abstém de sua profissão para cuidar das atribuições domésticas sozinho, necessariamente não mais tem condições temporais de produzir capital, pois esgotou todo seu tempo e energia na rotina doméstica. E geralmente, esta renegação é da mulher. Quem perde é toda a sociedade.

Este mês a Forbes publicou que a presença de mulheres nos diversos nichos empresariais “não é apenas a coisa certa a se fazer de um ponto de vista ético, mas é também uma estratégia inteligente do ponto de vista econômico” (forbes.uol.com.br).

A revista segue afirmando que as companhias que aplicam de fato as políticas de incentivo, com atração e retenção voltadas para mulheres, têm mais eficácia inovadora. Diversidade não é mais uma opção para as empresas, é fator determinante para qualquer modelo de negócio (Cristina Kerr, CEO da CKZ).

Em uma análise puramente econômica, quando as mães deixam de produzir capital em prol dos cuidados da família que a ela foram direcionados sem a ajuda do genitor de seus filhos, este capital não volta.

No Judiciário, quando se trata de Ações Familiaristas, quantos juízes já enviaram para a contadoria do Tribunal solicitações para se calcular o chamado “capital invisível”(CARTA CAPITAL, publicação de 3/5/2019) investido pelo genitor na criação de sua prole enquanto o outro mergulhava fundo no mundo do empreendedorismo porque confiava seus filhos àquele “do lar”?

O Estado tem um limite para intervir nas relações familiares, mas o maior alarme que expõe sua necessidade de intervenção, é o momento em que ocorrem ameaças aos átrios da dignidade da pessoa humana.

Não seria um atentado contra a dignidade impor à apenas um dos pais, quase que exclusivamente, os custos de tempo, vida e sonhos pelos cuidados na vida dos filhos?

O cuidar de uma criança não é atribuição de gênero e o princípio da solidariedade é realmente aplicado nas relações afetivas quando as obrigações são cumpridas em conjunto para que o outro não se esgote de forma a perder toda a real essência da família, o amor.